quinta-feira, 20 de março de 2008

Da série: Viva a imbecilidade!

Dois caras, um coração de cão

O cara pardo estava pregado no sofá, diante da tevê
. É quase sempre assim à hora do
jornal nacional.

Adentrei à sala numa noite boa e de estrelas e de sem calor. E ainda melhor: leve como pluma, sem o pejo da culpa de pecado da cultura judaico-cristã. É preciso, às vezes ser um grego antigo, ser um pagão, ser um cão!

O cabelo um pouco crescido e desgrenhado, fora do habitual, denunciava ainda mais suas cãs. Pensei em troçar dele. Iria dizer: Aí “véio”, está parecendo com uma raposa velha, hein?! Não está na hora de fazer uma bainha nesse coco não?! Segurei a “onda”. Venceu a reflexão. Eu não sabia se estava ali dentro daquele homem, um anjo de candura, como de costume ou o demônio do mau humor que boiava, volta e meia.

Também chafurdei-me no sofá. Havia o mundão de Colatina e adjacências a meu dispor, naquele noite tropical, mas quis ficar. Sabia que não havia nada apeteciável no mundinho da televisão, principalmente, nas notícias do telejornal.

O Willian Bonner com sua mecha prateada e a Fátima Bernardes com melenas caprichadas pela chapinha japonesa, para mim eram porta-vozes de um mundo cão: ocupação ocidental no
Iraque, homens bombas, mensalão, terremoto no Paquistão, o Vasco despencando na tabela. E o velho todo olhos e ouvidos, sem se aborrecer.

Ali do meu lado estava anos da minha vida. Um carola cristão no papel e alma pagã no dia-a-dia. Assim como a ele, quase nada me afetava. Mas o casal da tevê narra o fato do menino iraquiano
Ali Ismail Abbas que havia amputado os braços. Estava no lugar errado (num alvo civil atingido por engano pela coalizão anglo-americana). Uma criança muçulmana que perdera, além dos braços, parte da família, incluindo pai e mãe, para nos sacanear, gesticulando com o seu coto de braço. Kriptonita! Tentei olhar para meu pai. Ele não poderia me ver com olhos marejando. Deus me livre se ele me visse assim! Ainda bem que um sono súbito o acometeu. Ele se esticou no sofá, pôs uma almofada na cara e não mais viu o telejornal e nada mais. E eu: Para o alto e avante!

por: Cap. Paciencia!

Um comentário:

Eu.com.baunilha disse...

Pontos exclusos, texto interessante.